quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A Lenda de Narciso



Narciso era um belo rapaz que todos os dias ia contemplar sua beleza num lago. Era tão fascinado por si mesmo que certo dia caiu dentro do lago e morreu afogado. No lugar onde caiu, nasceu uma flor, que chamaram de narciso.

Mas não era assim que Oscar Wilde acabava a história. Ele dizia que quando Narciso morreu, vieram as Oreiades - deusas do bosque - e viram o lago transformado, de um lago de água doce, num cântaro de lágrimas salgadas.
- Por que você chora? - perguntaram as Oreiades.

- Choro por Narciso - respondeu o lago.

- Ah, não nos espanta que você chore por Narciso - continuaram elas. - Afinal de contas, apesar de todas nós sempre corrermos atrás dele pelo bosque, você era o único que tinha a oportunidade de contemplar de perto sua beleza.

- Mas Narciso era belo? perguntou o lago.

- Quem mais do que você poderia saber disso? - responderam surpresas as Oreiades. - Afinal de contas, era em suas margens que ele se debruçava todos os dias.

O lago ficou algum tempo quieto e por fim disse:

- Eu choro por Narciso, mas jamais havia percebido que Narciso era belo. "Choro por Narciso porque, todas as vezes que ele se deitava sobre minhas margens eu podia ver, no fundo dos seus olhos minha própria beleza refletida."

Retirado do livro "O Alquimista" de Paulo Coelho.




Já havia lido esse texto algumas vezes e resolvi postar aqui, pois acho muito interessante a forma que Oscar Wilde interpreta e dá continuação a história.

Com a continuidade de Wilde notamos o surgimento de um "narcisismo" duplo. O do próprio Narciso, que que é tão fascinado com sua beleza que passava os dias a si contemplar nas margens de um lago, do qual usava como espelho suas águas. E por fim, o "narcisismo" do lago, que assim como Narciso ou talvez até mais que o próprio Narciso, também era fascinado com a própria beleza e usava os olhos de Narciso como espelho.

O termo "narcisismo", como tantos outros emigrados do campo psíquico, tornou-se vulgarmente usado para indicar alguém vaidoso ou egoísta.

Não sei como Oscar Wilde interpretaria essa narrativa, qual seria a "moral da história", qual mensagem ele gostaria de passar aos leitores. Mas após ler esse texto varias vezes, passei a ter uma visão sobre ele, minha própria interpretação. Não sei se seria essa a forma de Wilde pensar, mas minha interpretação é a seguinte:

Em sua narrativa, Oscar Wilde passa o foco principal para o lago, onde surge um dialogo entre esse e as Oreiades (deusas do bosque). Ao ler esse dialogo, vejo um lago humanizado, um segundo Narciso, vaidoso, egoísta e egocêntrico.

Assim como o lago, muitas vezes é o que acontece em nosso dia a dia. Somos tão fascinados por coisas banais que mal conseguimos enxergar o que está em nossa frente. Quantas vezes perdemos pessoas amadas pelo simples fato de não conseguirmos enxerga-las, já que estamos cegos pela vaidade, orgulho, egoísmo?! Quantos são os momentos que nos sentimos sós, mesmo cercados por uma multidão? Quantas vezes nos arrependemos por algo, mas já é tarde de mais para se arrepender?


Na minha interpretação, vejo o lago como um ser humano em conflito com si mesmo e as Oreiades (deusas do bosque), seria nesse caso a sua consciência. Uma consciência pesada por ter perdido algo tão importante e nunca ter se dado conta, por ter tido talvez "um amigo fiel sempre ao seu lado" e nunca ter sido capaz de enxergar nada além de seu reflexo. E é assim com nós mesmos. Quantas vezes nos vemos transformar em algo terrível pelos nossos sentimentos medíocres, por não conseguirmos ver a verdade além de nós mesmos? Quantas vezes nos pegamos com a consciência pesada? Quantas vezes nossa consciência nos pergunta:

" Por que você chora?"

E agente responde:

"Choro por alguém!", " Choro por alguém que perdi!" ,"Choro por alguém que eu amava"...

E vem a nossa consciência e diz:

"Ah, não nos espanta que você chore por esse alguém,você era o único que tinha a oportunidade de contemplar de perto sua beleza, seu carinho, sua amizade, seu amor..."

E nós em nosso complexo de superioridade, nosso excesso de egoísmo, orgulho e egocentrismo, custamos a enxergar a beleza e as qualidades do nosso próximo:

"Mas essa pessoa era tão era bela?", "Essa pessoa tinha tantas qualidades?"...

Muitas vezes não nos damos conta da dimensão de nossa perda e choramos apenas por nós mesmos, por já estar acostumados com aquela rotina, por já estar acostumados a usar pessoas como escada, como uma forma de nos impor, como uma maneira de aparecer, de poder nos enxergar:

"Eu choro por essa pessoa, mas jamais havia percebido que ela era tão bela.", "Choro por essa pessoa porque eu podia ver, no fundo dos seus olhos minha própria beleza refletida."

E é assim muitas vezes nos vemos refletidos nos olhos de quem nos ama, de quem nos admira, mas nem sempre sabemos retribuir esses sentimentos. E quando as perdemos, muitas vezes, inicialmente, choramos pelo simples fato de perder algo, já que ninguém gosta de perder. Mas depois de um tempo começamos a perceber o tamanho da perda, o quão grande é a falta, a dimensão da dor, mas aí já é tarde de mais e a única coisa que nos resta é nos transformar de "um lago de água doce, a um cântaro de lágrimas salgadas."

(Carlos Rocha)

6 comentários:

  1. Um usou o outro por seus próprios interesses, concequentemete ambos perderam com isso: Narciso, sua vida e sua beleza passageira e o lago, o prazer de ter contemplado outro ser e a companhia que ele havia ganho.

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  2. Sempre nos achamos a referência, quando apenas fazemos parte de algo.

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  3. Simplesmente maravilhosa essa lenda!

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  4. Eu não contemplo dessa forma. Sem Narciso, o lago jamais saberia da sua própria beleza. Não existe luz sem escuridão, assim como não podemos ser melhores sozinhos. Se assim fosse, nossa existência não tinha nenhum porquê.
    Narciso sempre era descrito como um ser egoísta, autossuficiente que amava apenas a si mesmo e sem nenhuma utilidade. Oscar só quis demonstrar que até mesmo ele, pôde preencher o vazio de alguém, ajudar alguém a encontrar sua própria beleza: no caso o lago.

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  5. Realmente é um texto lindo... Valew pelas postagens pessoal.

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