terça-feira, 28 de julho de 2009

O GRITO




Capitulo 1 – O AMOR, A CRIATURA E A SERPENTE.

O amor.
Ah, o amor...
O mais nobre sentimento, que a tudo perdoa e que não pede explicações, foge a dicionários e tem mil e uma definições.

Amor materno;
Amor paterno;
Amor fraterno;
Amor carnal;
Amor celestial;
Amor a Deus;
Amor humano;
Amor divino;
Amor ao próximo;
Amor próprio;
Amor em comunhão;
AMOR!...

O sentido da vida, a música para os poetas, inspiração eterna. O que move o a humanidade, combustível dos sonhos, verdade incontestável, caminho inevitável.


Porém lá estava a criatura, um nada no meio do nada, apenas uma sombra se apagando, uma infeliz obra da natureza. Mas afinal o que era aquilo? Uma pessoa? Acho que não. Um ERRO talvez, um ERRO DIVINO! Uma TRAGÉDIA DA NATUREZA! Alguém, ou algo, a qual não se aplicava as definições do amor.

Sim, lá estava, em meio às trevas, sozinho, na beira de um precipício, jazendo lento e dolorosamente, lembrando cada minuto de sua insignificância, cada segundo de sua vida. Vida? Não, não se pode dizer que aquilo tenha sido vida, já nasceste morto.

Uma criatura sombria, amaldiçoada, tão repugnante que fora rejeitado pelo próprio ventre que te geraste. E assim, não viveu apenas existiu nas margens da sociedade, rejeitado por tudo e por todos, até pela própria alma, que se recusava a habitar aquele ser.

Nunca entenderas o porquê da sua existência, fora exilado pelos Deuses, banido do Paraíso e rejeitado pelos Demônios. Odiou a tudo e todo, até que cruzaste com o amor nos olhos de uma serpente. O amor que a tudo transforma! E então acreditou, pela primeira vez acreditaste em algo, pela primeira vez tiveste sonhos e fizestes planos, e até acreditou que tiveste uma vida.

Mas o amor pode ser a mais perigosa e destrutiva arma. O mesmo amor que encanta, também fere. E aquela criatura, jamais saberá o que realmente é AMOR. Pois amor nenhum jamais habitará aquilo que há em seu peito.

E mais uma vez és rejeitado. Não terás amor, não terás nada! Apenas habitarás as profundezas, viverás em sombras, em meio às mentiras, em meio ao estrume, nas trevas e terás como companhia fiel a humilhação, a rejeição, a dor e o ÓDIO! Sim o ÓDIO, irmão gêmeo do AMOR! Apenas o ÓDIO!

E agora em sua mente perturbada, as desgraças de sua existência lhe assombram e a criatura “espraguejava” com ódio sua existência:

- Olho o mundo a minha volta com total desprezo e revolta. Não encontro a paz, porque a paz eu não procuro mais, assim como já não procuro a luz na escuridão.

- Nasci mudo para o mundo e mudo morrerei.
- Nasci surdo para as palavras belas e surdo morrerei.
- Nasci cego para as Glórias Divinas e cego morrerei.

- Sinto a agonia de viver em um mundo caótico e miserável, sinto o ódio correr em minhas veias, sinto o fogo que consome minha alma; sou trevas.

- O meu coração pétreo se dilacera em meu peito por repulsa a qualquer sentimento, as minhas mãos enrugadas e ásperas se contorcem, minha garganta seca como o solo infértil dos desertos rasga uma tosse monstruosa, como que um anuncio do que me aguarda nas sombras dos meus pensamentos.

-Se eu ao menos pudesse gritar, eu gritaria o meu ódio, se eu ao menos pudesse gritar, eu gritaria meu desprezo pela vida, se eu ao menos pudesse gritar, eu gritaria minha ânsia, se eu ao menos pudesse gritar eu gritaria...


Então, quando sua existência se dissipara e o precipício lhe engolira, sentindo as labaredas do Inferno lhe acariciar a pele, sentindo as nuvens cinzentas embaçarem a sua vista, lembrando dos olhos da serpente, o medo, a dor, a aflição e todo o ódio do mundo tomam conta do seu “ser”; em seu ultimo suspiro, sentiu sua garganta rasgar, e como que em uma explosão, ouviu a sua voz ranger alto e claro em um grito:

- MONSTRO!!!
- TU ÉS MONSTRO!
- MONSTRO!!!

Sua voz que mais parecia um trovão ecoou por todos os lados, ultrapassou as barreiras da escuridão, atingiu o inatingível e se fez ouvir nos quatro cantos do mundo, e por onde mais o vento pudesse soprar.

- MONSTRO!!!
- TU ÉS MONSTRO!

- Monstro, que invade a minha mente e faz de meus pensamentos o seu lar.
- Monstro que rouba meus sonhos, que tira meu sono e me faz delirar.

- MONSTRO!!!
- TU ÉS MONSTRO!

- Monstro que destrói minha vida, que devora o amor, acaba com a minha paz e só deixa o pavor.

- MONSTRO!!!

-Nas noites frias e escuras sua face me assombra, teu olhar me congela, sua voz me entorpece e eu sinto medo, sou apenas uma criança, sem fé, sem força, sem esperança.

- MONSTRO!!!

- Porque me fizeste crer em suas mentiras? Suas verdades inventadas e sua vida vazia?

- MONSTRO!!!

- Me condenaste ao Inferno de Dante, apunhalaste meu coração, assassinaste minha alma, abandonaste meu corpo e agora segue o seu caminho de glória, com um sorriso nos lábios, a maldade no olhar e o seu jeito errante.

- MONSTRO!!!
- TU ÉS MONSTRO!
- MONSTRO!!!

Capitulo 2 - O INFERNO, Trevas, medo e dor.

De repente tudo acabou não havia mais nada, a criatura sentia-se como que no vácuo absoluto. E a criatura não enxergava mais, era tudo escuridão, não ouvia mais, o silêncio era total, e já não sentia seu corpo, não sentia sua respiração, nada, absolutamente nada. Era como se já não existisse nada, apenas sentia sua presença, não sabia como, mas tinha consciência de sua existência. Mas onde? Como? O que era aquilo afinal? Teria morrido? Seria assim então? E a criatura então percebeu que não apenas não sabia onde estava como também já não sabia quem era. E já não se lembrava de mais nada, apenas sentia sua existência, no nada.

E começou a sentir um imenso vazio, um vazio que tomara conta de tudo. E o tempo ali parecia não existi, talvez fizesse apenas segundos que tudo aquilo havia acontecido, mas parecia durar uma eternidade. E agora já perdera a noção de tudo, seus pensamentos já não existiam, era como um feto no meio do nada, sem sentir nada e sem saber de nada, na paz absoluta.

Mas depois do que parecia ter sido uma eternidade, em um súbito, todo o vazio que sentia foi abruptamente substituído por uma sensação de medo. Um medo como ninguém jamais sentira um medo que parecia tomar conta de tudo, que parecia ser sua própria existência. Mas medo de quê? Não tinha mais consciência de nada, nem mesmo do bem e do mal, já não tinha consciência, nem mesmo, da própria existência. Mas o medo existia e era terrível, não havia nem mesmo o tempo, tudo era medo. Apenas o medo!

E depois de mais uma eternidade, agora uma eternidade de medo, mais uma vez tudo mudava, mais uma vez em um súbito, veio a dor, sentira a dor no seu apogeu, mesmo sem consciência de nada, sem se quer ter um corpo o uma mente, sentira a dor, e todo o vazio que havia se transformado em medo, agora era preenchido pela dor. Uma dor cruel, uma dor violenta, uma dor inimaginável. Mas afinal, o que doía? Tudo e ao mesmo tempo nada. Pois era só aquilo que existia agora, a dor, somente a dor, e era como se ele fosse a própria dor. Nada fazia sentido, nem mesmo existia sentido algum, o que existia era apenas a dor. E o medo já não existia mais, nem mesmo lembrança do medo existia mais, era como se tudo tivesse sido apagado, mas a dor agora se estenda pela eternidade e parecia que nunca ia ter fim. Fim? Mas o fim também não existia, assim como também o inicio já não existia mais. Dor só a dor!

E era assim o Inferno, não havia nada, não existia nada. E a criatura não sentira nada, porque nem a própria criatura existia no Inferno, tudo que existia no Inferno eram apenas as trevas, o medo e a dor. E a criatura se tornara a as próprias trevas, o próprio medo e a própria dor, porque era tudo o que habitava o Inferno. Foi então que como uma grande explosão de energia lhe atingiu, algo tão forte como um raio, e tudo parou, toda dor, toda angustia, tudo havia sumido.

CAPITULO 3 - O CÉU, luz e amor.


De repente como que em passe de mágica, tudo a sua volta ficou claro, era como se tivesse aberto os olhos pela primeira vez, tudo era luz, tudo brilhava e podia sentir a eletricidade fluir por suas veias. E agora ele tinha total consciência do que havia acontecido e tinha total consciência de que esteve no Inferno. Mas como havia saído de lá? Onde estava? O que estava acontecendo?A criatura não sabia, mas nada disso lhe importava também, aquela sensação era algo que jamais sentira antes, era uma mistura de euforia com paz, uma alegria indescritível.

Tudo estava bem agora, pela primeira vez em sua vida não sentia o ÓDIO que habitava sua alma. E ali estava, como que uma pluma flutuando no ar, transbordando de energia, se sentido amado, como nunca fora amado, se sentido feliz, era como se estivesse sendo abraçado por toda aquela luz e sentia pela o carinho e o amor materno que lhe fora negado. Mas como? Como era possível? Olhava todas aquelas luzes a sua volta, luzes colorida de cores que desconhecia, radiantes. Sentia também uma brisa lhe acariciar a face, uma brisa suave, como o sopro de um anjo e ouvia um som indescritível, um som de um instrumento qual tinha certeza não existir no mundo de que viera, e esse som formava uma melodia que acompanhava as batidas de seu coração, algo tão lindo que a criatura. E o tempo ali também era eterno, parecia não haver inicio ou fim, só existia aquele momento e era só o que importava.

A criatura ficou ali, sem pensar, sem falar, sem se mover, sem fazer absolutamente nada, apesar de que agora, diferente de quando estava no Inferno, podia sentir todas suas funções motoras e podia pensar, podia falar, podia ouvir, mas não sentira necessidade de fazer nada, apenas queria ficar ali por toda eternidade. Então por um breve momento passou em sua mente o filme de sua vida, toda sua dor, toda a humilhação, as rejeições, a maternidade rejeitada e a serpente, sim, a serpente, lá estava à serpente com seus olhos rubros cheios de maldade; mas a criatura não sentia mais o ódio, tudo que sentira naquele momento era compaixão, era amor, era paz, tudo misturado com uma grande euforia, um total êxtase. Então teve certeza que estava no Paraíso, sim, estava no Paraíso E por lá desejava ficar por toda eternidade.

Mas assim como o Inferno, o Paraíso parecia não ser sua morada. Aos poucos as luzes foram se apagando e já não sentia mais a eletricidade fluir em suas veias e sentia a felicidade, nem 0 êxtase, passara toda a euforia. E então, mais uma vez tudo era escuridão, tudo era silêncio e tudo era solidão.


Capitulo – 4, O Grito, Quando tudo se resume em nada.

Abrira lentamente os olhos e lá estava, no chão, no mesmo local onde tudo havia começado, sozinho no precipício. Podia sentir mais uma vez suas mão enrugadas, sua pele áspera, sua garganta seca, estava de volta. Mas como podia estar de volta, se a pouco estava morto? Sentira o medo, a dor, a solidão e o ódio novamente. Esteve no Céu e no Inferno, porém fora rejeitado até mesmo pela morte. Nada lhe fora permitido, nem mesmo o direito de morrer. Era criatura sem criador, rio sem nascente, deserto no oceano, um nada no nada.

E ali permanecera até o fim dos tempos, sem se mover, sem pensar, sem existir. Apenas um nada. E passaram se o céu e a terra; e o tempo dos Deuses e Demônios. E já não havia mais o tempo e não havia mais Bem ou Mal, tudo passara; e “tudo” já não era nada; e já não havia luz ou escuridão, nem medo ou dor, nem solidão ou alegria, nem paz ou agonia, nem ódio ou amor. E passara o tempo da serpente, E não havia mais criatura ou criador. Era tudo um grande vazio, inexplicável, um grande vácuo, E não era frio, nem quente, não tinha barulho e nem silêncio, não existia, mas estava ali, não tinha vida e nem morte, ou qualquer outra coisa. E de tudo que já houve um dia, de todas as coisas que já foram e não eram mais, de tudo que deixara de existir, apenas uma coisa sobrevivera, e por mais que a existência teimasse em não existir, algo ainda teimava em resistir, ”O GRITO”:



- MONSTRO!!!
- TU ÉS MONSTRO!
- MONSTRO!!!


FIM

(Carlos Rocha)

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